quarta-feira, 10 de abril de 2013

Retratos de São João del-Rei em 1818, segundo John Luccok - III: barroco tropical, brasileiro e intuitivo!


"Entre as igrejas, treze ao todo, existe uma que faz  as vezes de metropolitana, situada junto à rua prinipal e  construída de taipa. Não obstante sua aparência exterior modestíssima, contém ela alguns ornamentos extraordinários. À direita do altar, há uma linda cópia de um dos antigos mestres, representando a última ceia. À esquerda, uma outra, igualmente bela, apresenta Maria lavando os pés de Jesus e, em compartimentos inferiores, uns poucos quadros passáveis, de mau desenho, mostrando a chuva de maná no deserto e outros motivos tirados do Velho Testamento.

O teto desta igreja, que é arqueado, foi recentemente pintado à custa única de  um negociante da vila. As tintas são ótimas, mas não se combinam entre si e, compostas que são principalmente de vermelho, amarelo e azul, têm um aspecto bizarro, que somente mesmo ao bom gosto brasileiro pode agradar. Ao centro vê-se a imagem de Nossa Senhora do Pilar e o brasão de armas de Portugal. Àcima da cornija, à destra eocupando o comprimento todo da nave, acham-se os quatro evangelistas e, com eles alternando, um anjo posto numa espécie de púlpito saliente, enquanto que seus auxiliares , subalternos, na tarefa de salvar os homens, situados  em postos menos visíveis, se acham metidos em  recessos. Logo debaixo do coro e sob a proteção de São João, o artista esforçou-se por colocar  um retrato do cavalheiro à cuja custa o serviço fora executado.

No lado oposto do teto e esquerdo do altar, vêem-se motivos de gênero diverso. Aparecem ali representações de frades e freiras, com alusões alegóricas a visões e comunicações de origem divina, com que são eles favorecidos. A ideia da inspiração foi representada ali da seguinte maneira esquisita: de uma nuvenzinha emerge uma trombeta falante, cujo som, representado por fortes raios amarelos, incide direto no ouvido do padre ao qual está endereçada a informação sobrenatural.

O moço, que assim demonstrou sua habilidade, é natural do país e nunca viu pintura a óleo, com exceção apenas das que a própria igreja de São João del-Rei contém. Não deve, portanto, sua obra ser examinada com a severidade da crítica. Os contornos e expressões são bons, o traço é rude e falta relevo às figuras. Seus atributos, como bem se pode esperar, por vezes são incorretos e demonstram ausência de critério, bom gosto e instrução. Tal como tantos outros homens de talento, ele é pobre, pinta por preços vis e, se aqui permanecer, não deixará nunca de viver em miserável dependência."

John Luccock,  São João del-Rei, 1818

er

Nenhum comentário:

Postar um comentário